Aproveitando o intervalo entre uma página e outra da webcomic, venho aqui dar um alô e contar o que está acontecendo nessa vida gelada.
Aliás, nem tão gelada porque esse inverno foi atípico: bem mais “quente” que o esperado e a primavera parece que vai chegar mais cedo. Vi no jornal que os ursos já estão até acordando da hibernação. Não tem mais volta, a primavera vem aí.
Nesse fim de 2023, começo de 2024, tivemos duas mudanças significativas nessa casa (não metafórica, minha casa mesmo): nós agora somos pais de pet* e Aquilles usa um CPAP, depois de saber que estava enganando a morte pelos últimos anos.
Bel
Dia primeiro de janeiro nós viramos pais de pet* de forma totalmente não planejada. Eu sempre quis ter cachorro, Aquilles tinha medo, e nunca quis. Estou trabalhando há 20 anos nesse convencimento e confesso que achava que não ia acontecer mais.
Na última semana do ano, uma amiga pediu carona para ir buscar um filhote. Era uma ninhada de shih-tzus, da cadela de uma senhora que aparentemente acredita em vacina com moderação e não acredita em castração. Enfim, eu fui. Era 31 de dezembro. Chegando lá eu fiquei apaixonada instantaneamente.
Veja bem, nesses 20 anos de convivência eu nunca cheguei na situação de “e se eu levasse esse filhote para casa agora?”. Naquela hora eu cheguei a considerar, mas não tive coragem. Fiquei lá levando micro mordidinhas e vendo os filhotes brincarem, enquanto pensava na tristeza do meu destino de nunca conseguir ter um cachorro.
Minha amiga estava com uma fala da terapeuta dela na cabeça: Ela disse que minha amiga não podia ficar esperando as coisas acontecerem para viver, e por isso ela decidiu pelo cachorro. Aquilo ficou reverberando na minha cabeça.
Coloquei minha derrota no bolso e fui pra casa. Eu não tinha um plano, até porque eu jamais achei que Aquilles fosse concordar. Quando ele me perguntou como tinha sido, eu desatei a chorar.
Eram anos querendo um cachorro, aí quando Aquilles começou a ficar mais simpático à ideia a gente veio pro Canadá, e aqui é mais difícil e mais caro ter um cachorro. Então parecia que tinha ficado mais distante ainda… foi um choro doído, porque eu sabia que não era uma coisa a se fazer assim, trazer um cachorro pra casa de supetão (embora o quarto de supetão é algo se você pensa nisso por 20 anos?), mas eu estava apaixonada por aqueles cachorrinhos, e pela ideia de ter aquele amor incondicional na minha vida. Foi um choro exausto.
Aquilles ficou balançado, segundo palavras dele. Disse que não me via chorar daquele jeito com frequência.
Na noite do dia 31, fomos passar a virada do ano na casa de outros amigos. Esses têm uma cadela adulta, com quem Aquilles, medroso, sempre teve suas reservas. Descemos pouco antes da meia noite pro Dog Park, na esperança de ver as luzes CN Tower. Não rolou porque havia muita neblina.
Às 23:58 a polícia passou por nós e poderia nos ter levado presos porque estávamos bebendo na rua. Eles deram uma volta no quarteirão e passaram pela segunda vez por nós, e a gente morreu de medo. Quando eles saíram, com frio e sem visibilidade, brindamos ao novo ano. A cadela, que estava no colo dos nossos amigos, deu uma lambida na cara de Aquilles. Ele sentiu que era um sinal.
No dia seguinte, dia 01 de janeiro, tudo fechado, nenhum lugar pra comprar tigela, cama ou ração para cachorro, fomos pegar nossa cadelinha, que Aquilles me fez prometer que ele podia nomeá-la. A ela, ele deu o nome de Bel Marx, chicleteira e comunista.
Desde então os dias têm sido uma aventura. Muitas mordidas, alguns sustos, muitos cocôs e xixis fora do lugar, algumas interrupções de sono e muito amor. O amor incondicional que eu procurava.
Enquanto escrevo, olho para aquela coisinha pequena, tendo espasmos e se contorcendo durante o sono, e me pergunto se é verdade que cachorros sonham com seus donos.
*Essa pessoa não acredita em paternidade de pet, e fala que é mãe de pet em tom de piada. Perdão, não quero comparar criar um cachorro com uma criança. Porém, o fato é que é difícil achar uma denominação para quando se tem um animal em casa. Dono? Eu não sou dona nem de mim. Tutor? Muito vossexcelente. Mãe e pai de pet parece a escolha mais fácil.
Sono sem sonhos
Nas palavras do meu marido: “Eu achava que morrer era assim: a gente ia ficando com menos energia, menos energia, até que um dia a gente não acordava mais.” Aos 42 anos, era assim que ele vinha se sentindo, se apagando aos poucos.
Era fácil saber porque ele se sentia assim. Nos últimos 7 ou 8 anos eu vinha observando o declínio da energia dele, à medida que ele caía de sono pelos cantos com mais frequência e o ronco piorava. Sempre foi claro para mim que ele não dormia bem e que sofria de apneia do sono (diagnóstico embasado pelo meu diploma de Grey 's Anatomy). No entanto, entre eu dizer a ele que era óbvio que tinha algo errado com o sono e ele procurar ajuda médica para saber como mudar isso, foram longos anos.
No final do ano passado, ele finalmente foi fazer o estudo do sono. Enfrentou uma noite desconfortável enrolado em fios de eletrodos, onde dormiu menos do que de costume, e ainda ouviu da recepcionista, acostumada com os piores roncadores, “O senhor ronca, ein?”.
Quando veio o relatório, a situação era bem pior do que ele pensava.
Para comparação, uma pessoa normal tem até 8 episódios de apneia, ou interrupção da respiração, por hora. Acima desse número, já é um caso que precisa de tratamento. Meu marido tinha 90 episódios por hora. Ou seja, ele não dormia sequer um minuto completo sem interrupção. Ele sequer sonhava, porque não chegava no sono profundo o suficiente para isso. Com isso o corpo não funcionava bem, não fabricava os hormônios que são produzidos no sono, e ele ficava cada vez mais cansado, engordava mais, tinha menos disposição para se cuidar, ficava mais cansado, roncava mais, tinha mais apneia, tudo num ciclo sem fim. Isso sem mencionar o risco de morte súbita causado pelas interrupções no fluxo de ar e o impacto no coração a longo prazo.
Assim que recebeu os documentos do médico, ele correu para comprar o CPAP, que é um equipamento que empurra ar nas narinas dele, e que, de alguma forma evita que ele ronque.
Fiquei muito chocada que ele parou de roncar instantaneamente.
Inclusive, quando ele chegou com o equipamento em casa, foi tirar o cochilo inaugural depois da consulta, à tarde, e eu estranhei que ele não estava roncando. Segui com meu dia tentando não incomodar porque aquele era um sono que ele esperava há anos. Terminei de trabalhar e fui pra academia. Estava lá na esteira quando comecei a me perguntar se ele estava dormindo ou se estava morto. Eu tinha checado se ele estava respirando? Saí igual a uma louca para casa para constatar que agora ele dormia silenciosamente.
Desde então, nosso herói, parece que está “on coke”, e voltou a sonhar em todos os sentidos.
O que anda merecendo minha atenção
Os meses de janeiro e fevereiro aqui nas terras geladas são os piores. Longos, sem luz, quase sempre bate um desespero que chamam de depressão sazonal. Esse ano eu não tive tempo de sentir isso, tão envolvida que estava com esse serumaninho novo em casa.
Vou deixar um apanhado de coisas que consegui ver, ler ou ouvir e que recomendo. Nada muito organizado, e talvez nada revolucionário, porque minha atenção tem dona agora e me sobra pouco tempo para outras coisas nesse momento.
Rainhas da Noite: As travestis que tinham São Paulo a seus pés - Chico Felitti. Um documento importante sobre essa parcela da população tão invisibilizada, e ao mesmo tempo uma deliciosa trama de intrigas e crimes. Chocante em algumas partes, óbvio.
What About the Baby? Some Thoughts on the Art of Fiction - Alice McDermott. Para os amigos escritores: me trouxe várias reflexões, recomendo.
Killing Eve - A newsletter do escritor Luke Jennings, que decidiu lançar a continuação da sua obra online e de graça para os fãs na forma de newsletter (em inglês).
Gregos e Alagoanos - O episódio da Rádio Novelo que conta a tragédia que a Braskem vem promovendo em Maceió.
A Cor Púrpura - O musical que conseguiu transformar essa história de um clássico da literatura numa coisa mais bonita que triste. O livro ainda é um dos meus preferidos, de toda forma.
Me Empreste Seus Ouvidos E Eu Te Cantarei Uma Canção - A minha webcomic que espero que vocês estejam acompanhando, e que vocês podem ler completa (até esse ponto) aqui.
Bom demais ter pets em casa. Eu tenho 4 gatos e amo demais.
Ô gente, a fucinha da Bel parece tanto com a da minha Pipoca!
Eu já tinha o Waffles, e sonhava com uma parceirinha pra ele, que chegou 3 anos depois dele, em novembro do ano passado. Só que ela é doida e apocalíptica como ele jamais foi, kkkk, foram meses trabalhando aceitação e paciência, mas ela alegra demais os nossos dias!
Que a Bel seja feliz!